Dra Thaysa Simões

Entenda primeiramente o que é artrite

Artrite significa inflamação da articulação ou junta. Quando se fala em artrite geralmenteestamos nos referindo a um sintoma (artrite= inflamação articular) ou às vezes esse termo acaba sendo usado no dia a dia como um “apelido” ou abreviação de algum diagnóstico dentre certas doenças da reumatologia em que, apesar de vários acometimentos possíveis, a alteração articular é a mais presente. Como o maior exemplo disso temos a Artrite Reumatoide, um diagnóstico em que predomina o acometimento de inflamação articular, embora possa acometer também outros órgãos (ex: olhos, pulmões, pele).

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A Dra Thaysa Simões é reumatologia especialista e com doutorado pela USP

Quais doenças podem causar artrite?

Em várias doenças reumáticas pode ocorrer artrite (inflamação da articulação). Em algumas delas este será o sintoma predominante em todos os pacientes, sem o qual não será feito o diagnóstico, ou seja, a doença costuma já a começar com inflamação nas articulações. Essas doenças, em geral, são nomeadas como Artrite e em seguida uma especificação (ex: artrite psoriásica- um quadro de artrite em pacientes que tem a psoríase na pele). Em outras doenças, no entanto, pode ocorrer artrite em alguns pacientes, em algum momento de sua evolução, mas não necessariamente em todos os pacientes com aquele diagnóstico, e nem sempre no momento do diagnóstico (ex: Lúpus eritematoso sistêmico, Doença de Sjogren).

Doenças reumáticas que podem causar artrite:

  • Artrite reumatoide
  • Artrite psoriásica
  • Espondiloartrites
  • Artrite reativa
  • Artrites relacionadas a Doença Inflamatória Intestinal (retocolite ulcerativa e doença de Chron)
  • Lúpus eritematoso sistêmico
  • Doença de Sjögren
  • Gota (artrite por ácido úrico)
  • Febre reumática
  • Vasculites
  • Miosites/ miopatias
  • Esclerodermia/ esclerose sistêmica
  • Artrites infecciosas (ex: infecções nas articulações por bactérias, por tuberculose)
  • Artrites transinfecciosas (ex: vírus que passam pelas articulações causando sintomas durante a doença: Chikungunya, Zica, Dengue, hepatites)
  • Doença de Lyme (transmitida por carrapatos)

ARTRITE REUMATOIDE: a doença reumática autoimune mais comum

A artrite reumatoide é a principal doença reumática que causa inflamação articular. Ela se caracteriza principalmente por inflamação de pequenas e médias articulações (como nas juntas das mãos, punhos e pés), devido a um ataque autoimune do revestimento interno das juntas. Tem causa desconhecida, com uma participação de fatores genéticos e ambientais. Ela é uma doença sistêmica, ou seja, afeta não somente as articulações, tendo potencial de afetar outros órgãos do corpo (ex: olhos, pulmões, pele), através da circulação desses fatores de inflamação (autoanticorpos, sinalizadores e células de defesa alteradas).

A artrite reumatoide pode causar dor nas mãos e punhos

Mas por que o corpo produz essa inflamação?

Essa é uma das perguntas pela qual pesquisadores nessa área no mundo inteiro se dedicam em estudos, até hoje sem conclusão completa. Consideramos todas as doenças reumáticas autoimunes de causa DESCONHECIDA. O que se sabe é como essa doença se comporta, ou seja, devido a fatores genéticos e alguns fatores ambientais conhecidos, o organismo passa a produzir anticorpos e células de defesa de forma alterada- o sistema imune que seria apenas para combater agentes externos como vírus e bactérias, passa a “atacar” células e estruturas próprias do organismo (por isso o termo autoanticorpos, ou seja, anticorpos próprios). Esse ataque autoimune a componentes do próprio organismo provoca inflamação, e daí vem os sintomas como artrite. Na artrite reumatoide o principal alvo desse ataque autoimune são as articulações revestidas por dentro por uma membrana (sinóvia ou membrana sinovial) e com presença de líquido (líquido sinovial). O termo técnico sinovite é o mesmo que artrite.

Quais fatores ambientais podem causar artrite reumatoide?

O cigarro tem potencial reconhecido para causar artrite reumatoide

Embora não se saiba por que, são conhecidos alguns fatores presentes do ambiente que, indivíduos com determinada predisposição genética quando expostos a estes, desenvolvem esta doença:

  • Uso de cigarros/ tabaco
  • Infecção na gengiva por certas bactérias (Porphyromonas gingivalis)
  • Infecções virais (intestinais)

Portanto, para pessoas que possuem histórico familiar dessa doença, e até mesmo para quem tem esse diagnóstico é aconselhável evitar e/ou parar de fumar, além de visitas periódicas ao dentista para detectar e controlar possíveis infecções bucais silenciosas.

Quem pode desenvolver artrite reumatoide?

No mundo e no Brasil entre 0,5 a 1% da população é acometida por essa condição, ou seja, é uma doença comum. Ela pode afetar qualquer pessoa com predisposição genética, desde crianças até idosos, mas tem maior chance:

  • Mulheres (2x mais que homens)
  • Faixa etária de 30-40 anos
A artrite atinge mais mulheres entre 30-40 anos

Quais são os sintomas de artrite reumatoide?

O principal sintoma é a inflamação das articulações ou das juntas (artrite).

A inflamação geralmente tem a combinação de mais de um desses sintomas:

  • DOR (principal sintoma)
  • Inchaço (edema, aumento de volume por aumento do líquido articular inflamado)
  • Calor (aumento de temperatura)
  • Vermelhidão (rubor)

A artrite reumatoide também pode afetar outros órgãos (veja abaixo), com sintomas nos mesmos.

Na artrite reumatoide, as principais articulações afetadas são as interfalangeanas proximais (meio dos dedos), metacarpofalangeanas (entre a mão e os dedos) e punhos.

Como é a dor na artrite reumatoide?

No início do quadro, a artrite pode acometer somente uma ou poucas articulações, e em poucas semanas a dor e a inflamação tendem a se tornar mais fortes, e mais juntas do corpo vão sendo acometidas

A inflamação articular causa principalmente DOR, e ocorre da seguinte maneira nesta doença:

  • Em pequenas e médias articulações (ex: dobras dos dedos das mãos e pés, punhos, pode ocorrer em joelhos, tornozelos, ombros, cotovelos e coluna cervical)
  • Dos dois lados do corpo de forma simétrica (ex: se tem em uma mão também tem na outra)
  • De forma crônica (se prolonga por >6 semanas ou 1 mês e meio se não for diagnosticada e tratada)

OBS: grandes articulações como o quadril, ou articulações de outros tipos, como a coluna lombar, dificilmente tem como causa da dor por este diagnóstico.

Quais outros órgãos podem ser acometidos pela artrite reumatoide?

Além de inflamação na articulação, pode ocorrer inflamação em:

  • Olhos
  • Pulmões
  • Pele
  • Sangue
  • Sistema nervoso
  • Baço e fígado (síndrome de Felty)
  • Coração

Quais outros sintomas podem ser causados pela artrite reumatoide?

Além de inflamação nas articulações, de possível acometimento de outros órgãos (acima), a artrite reumatoide pode levar a:

  • Fadiga (cansaço extremo, desânimo)
  • Rigidez matinal (juntas “duras” ou rígidas para movimentar, em especial pela manhã e por períodos acima de 30-60 minutos)
  • Deformidades e incapacidade (se não tratada, a inflamação destrói a cartilagem e o osso e deforma as articulações de forma irreversível)
  • Anemia
  • Perda de apetite e de peso
  • Febre sem outra explicação
  • Dores crônicas pelo corpo (algumas doenças reumáticas tem maior associação com fibromialgia)

Como se diagnostica a artrite reumatoide?

O diagnóstico é feito pelo médico reumatologista mediante achados na história clínica (entrevista médica ou anamnese), exame físico e alguns exames complementares.

No meio científico, o Colégio Americano de Reumatologia orienta que o diagnóstico é realizado quando se tem ao menos 4 dos seguintes critérios abaixo, por pelo menos 6 semanas:

  • Rigidez articular matinal durando pelo menos 1 hora
  • Artrite em pelo menos três áreas articulares
  • Artrite de articulações das mãos: punhos, interfalangeanas proximais (articulação do meio dos dedos) e metacarpofalangeanas (entre os dedos e mão)
  • Artrite simétrica (por exemplo no punho esquerdo e no direito)
  • Presença de nódulos reumatoides na pele
  • Presença de Fator Reumatoide no sangue
  • Alterações radiográficas: erosões articulares ou descalcificações específicas localizadas em radiografias de mãos e punhos.

Vale ressaltar que, principalmente no início da doença, nem todos os pacientes vão apresentar os achados típicos para se “fechar” o diagnóstico. Também nem todos os pacientes tem fator reumatoide nem o anti-CCP positivos (quando ambos são negativos chamamos de “artrite soronegativa”). Por isso é fundamental a avaliação e acompanhamento de um especialista reumatologista.

Quais exames podem estar alterados para o diagnóstico de artrite reumatoide?

Exames laboratoriais
  • PCR (proteína C reativa)
  • VHS (velocidade de hemossedimentação)
  • Fator reumatoide (reagente em 75% dos casos)
  • Anti-CCP (anticorpo anti-peptídio citrulinado)
  • Exames de imagem: radiografias, ultrassonografias, tomografias, ressonância, etc podem ser solicitados pelo médico reumatologista após a avaliação de cada quadro clínico individualmente
  • Outros exames importantes: hemograma, função do fígado e dos rins

ATENÇÃO: nem todos esses exames estão alterados e nem todos devem ser solicitados para todos os casos suspeitos. É necessária uma avaliação criteriosa de um especialista para saber qual conjunto de exames solicitar e quais resultados devem ser valorizados em cada caso, de acordo com a anamnese e exame físico realizados na consulta médica!

Por que é importante diagnosticar e tratar a artrite reumatoide?

Além de ocasionar muita dor e queda da qualidade de vida, ess condição pode levar a deformidades, acometer outros órgãos e causar inflamação sistêmica (circulante pelo corpo). Dessa forma, o objetivo do tratamento será:

  • Controle de dores
  • Controle da inflamação local (inchaço, rigidez articular)
  • Controle da inflamação sistêmica (circulante)
  • Prevenir ou minimizar danos como deformidades e limitações
  • Controle da fadiga
  • Controle de lesões a órgãos importantes como olhos, pulmões, pele, sangue

O diagnóstico precoce é importante na artrite reumatoide?

Na artrite reumatoide é fundamental que o tratamento se inicie o mais breve possível, a fim de se evitarem complicações, limitações físicas e deformidades irreversíveis. Além disso, é comprovado que a doença, quanto mais cedo for tratada, maior chance tem de boa resposta e evolução. Desse modo, quanto mais precoce for o diagnóstico e início do tratamento (idealmente entre 3-6 meses do início dos sintomas), mais o paciente tem aumentadas suas chances tanto de alcançar remissão, como de prevenir sequelas. O curso de desenvolvimento e progressão dessa doença são imprevisíveis, mas sabe-se que a tendência é que a doença evolua mais rapidamente nos primeiros anos, e tem maior chance de gravidade após muitos anos sem tratamento adequado. No entanto, felizmente, o tratamento correto tem potencial de interromper essa progressão e os sintomas, evitar deformidades e deficiência física.

A artrite reumatoide ocasiona sequelas?

A artrite reumatoide tem o potencial de ser deformante. No entanto, atualmente com o maior conhecimento tanto da medicina, quanto informação e acesso aos pacientes, e também graças a todo arsenal terapêutico existente (incluindo modernas drogas de biotecnologia) os casos de deformidade estão cada vez menos frequentes.

Principais alterações que a artrite reumatoide pode causar nas mãos

Por que é importante controlar a inflamação sistêmica (circulante)?

A inflamação sistêmica, se não controlada, além da inflamação articular com dor e possíveis deformidades, pode levar também ao acometimento de órgãos importantes, acarretar anemia, fadiga, aumentar o risco de complicações, em especial cardiovasculares (infarto, derrame ou AVC) e infecções (ex: infecção urinária, pneumonia). Sabe-se que pacientes com inflamação sistêmica não tratada podem ter sua expectativa de vida diminuída de 3 a 7 anos.

Qual é o tratamento da artrite reumatoide?

O tratamento envolve ações multidisciplinares e se baseia nos seguintes pilares:

1- Educação do paciente

Este é um dos principais pilares para qualquer tratamento. Munir o paciente de informações de qualidade pertinentes ao seu quadro, e todos os aspectos relativos à sua condição é fundamental para garantir bons resultados ao longo de qualquer tratamento crônico.

2Mudanças do estilo de vida

Necessárias a qualquer condição crônica, são alterações de hábitos (alimentação saudável, balanceada), estilo de vida mais ativo, cessar vícios como o tabagismo (leia acima sobre fatores ambientais comprovados), controle de comorbidades comuns (hipertensão, diabetes, osteoporose), implementação de medidas de proteção articular (leia mais sobre estas AQUI).

3- Medidas e drogas para o alívio de sintomas

Várias propostas tem o intuito de agir no controle da dor para maior qualidade de vida do paciente com artrite crônica. Nesse contexto, cabe ressaltar a importância de medidas locais como compressas, alguns medicamentos tópicos, e também sistêmicos (comprimidos como analgésicos, anti- inflamatórios e corticoides). Estes últimos somente serão adequados e seguros temporariamente para fases agudas e momentos de piora/crises, devido aos seus potenciais efeitos adversos e prejudiciais quando usados a longo prazo e sem acompanhamento médico.

4- Drogas modificadoras do curso da doença reumática (DMARDs)

Neste tópico temos as medicações que tratam a artrite em si, melhorando não somente os sintomas (dor, inchaço, inflamação), como também controlando a inflamação, complicações e sintomas sistêmicos (anemia, fadiga, acometimento de outros órgãos), prevenindo deformidades, através de um controle da atividade inflamatória e da progressão da doença. Nessa classe temos dois tipos: drogas sintéticas (comprimidos em sua maioria, imunossupressores e imunomoduladores) e imunobiológicos (tratamentos injetáveis modernos de biotecnologia). Essas medicações, em via de regra, costumam ser necessárias e portanto, seguras, para serem usadas de forma indefinida.

5- Atividade física regular

Atividade física regular faz parte da base do tratamento da artrite reumatoide

Outro importantíssimo pilar para o sucesso do tratamento das doenças sistêmicas e reumáticas como um todo. Será necessária alguma atividade física. Em geral no início propostas de reabilitação como fisioterapia e/ou terapia ocupacional, bem como em alguns momentos pontuais, e sempre de forma regular atividades que envolvam uma combinação de modalidades de condicionamento cardiovascular, fortalecimento e resistência muscular, alongamentos e flexibilidade, técnicas de relaxamento e treino de equilíbrio.

Qual o papel da infiltração articular em pacientes com artrite reumatoide?

Para pacientes em que com o tratamento conseguimos um bom controle sistêmico e geral, mas permanecem com uma ou poucas articulações resistentes, dolorosas e inchadas, pode ser benéfica a infiltração com glicocorticoides. Já pacientes que evoluem com uma artrose (desgaste, que na artrite reumatoide não tratada pode ser mais acelerado) podem se beneficiar de infiltração com ácido hialurônico nessas articulações.

Infiltração articular com medicamentos injetáveis é uma opção na artrite reumatoide

Artrite reumatoide tem cura?

Infelizmente não falamos em cura para as doenças reumáticas de uma forma geral. Estas são doenças crônicas, ou seja, para as quais existe tratamento e controle, mas o diagnóstico requer um acompanhamento de forma contínua e perene. O que se busca nas doenças reumáticas crônicas, como a artrite reumatoide, é a REMISSÃO (controle da doença, por meio da terapêutica medicamentosa ou não, sendo o mais próximo possível da normalidade, buscando a manutenção das funções do dia a dia do paciente).

Como é o acompanhamento do paciente com diagnóstico de artrite reumatoide?

Para este diagnóstico é fundamental o acompanhamento por um especialista reumatologista. Esse seguimento será contínuo, sendo que a frequência das consultas costuma a ser, além de individualizado para cada caso, variável de acordo com a fase e gravidade da doença (ex: no início as consultas precisam ser mais frequentes, como mensais, e com o tempo espaçadas conforme a evolução e controle individual). Também pode haver momentos em que seja necessário ao médico aumentar a dose ou número de medicações em associação, indicar tratamentos em paralelo, como reabilitação, psicoterapia, procedimentos, de acordo com cada caso. Naturalmente, para fases ou doenças mais agressivas, será requerido um tratamento igualmente mais intensivo. É extremamente importante o paciente ter confiança e acesso a seu médico, compreendendo que todas as queixas relativas ao seu quadro precisam ser comunicadas para o mesmo, a fim de que os devidos ajustes em seu tratamento sejam realizados somente pelo profissional, em compartilhamento de decisões com o paciente.

Existe cirurgia para artrite reumatoide?

Alguns pacientes, sobretudo em contexto de sintomas persistentes, e mais ainda, de sequelas e deformidades, serão beneficiados se encaminhados ao cirurgião ortopédico para avaliar a indicação de alguns tratamentos cirúrgicos: sinovectomia (remoção da membrana sinovial em excesso), artrodese (unificação de ossos), artroplastia (substituição articular por prótese), a depender de cada caso.

Existem casos em que a cirurgia é uma possibilidade na artrite reumatoide

FONTES:

Sociedade Brasileira de Reumatologia

https://www.reumatologia.org.br/doencas-reumaticas/artrite-reumatoide/

American College of Rheumatology

https://rheumatology.org/patients/rheumatoid-arthritis

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